Por precaução ou preconceito, guaranis e kaiowas de Dourados não conseguem emprego
Rogério, Cristiane e 2 dos 3 filhos do casal; cesta acabando e fome batendo à porta (Foto: Helio de Freitas) |
A covid-19 deixa rastro de morte, tristeza e lágrimas por todos os povos mundiais. Desde março de 2020, o novo coronavírus já provocou a morte de quase 3 milhões de pessoas no planeta, mas os efeitos colaterais da pandemia podem matar ainda mais.
Pobreza e fome causadas pelo colapso econômico e falência completa dos sistemas de saúde ameaçam dizimar outra fatia importante da população mundial.
Na mais populosa reserva indígena do Brasil, localizada em Dourados (a 233 km de Campo Grande), a contaminação pelo vírus ficou bem longe do que temiam autoridades de saúde no início da pandemia.
Até ontem (18), existiam 899 casos confirmados na Bororó e Jaguapiru, as duas aldeias que formam a Reserva Indígena Dourados, criada em 1917.
O número de mortes também é pequeno se comparado com a população “branca”. Em um ano foram 12 óbitos no polo-base do Dsei (Distrito Especial de Saúde Indígena) em Dourados. Entre os ‘não-índios’, o número de óbitos se aproxima dos 380.
Só que a covid-19 trouxe de volta uma antiga conhecida dos guarani-kaiowa: a miséria.
Neste 19 de abril, Dia do Índio, Famílias inteiras das aldeias Jaguapiru e Bororó estão com extrema dificuldade para garantir o sustento básico de seus parentes, principalmente das crianças. Muitas passam fome quando acabam os alimentos das cestas distribuídas pelo Governo do Estado.
Na reserva de Dourados vivem quase 20 mil índios guaranis, kaiowas e terenas. A área é considerada a de maior densidade populacional no País, pois tem apenas 3.600 hectares para tanta gente.
“A vida sempre foi difícil em nossas aldeias, mas agora está muito pior porque os indígenas não conseguem mais emprego por causa da pandemia”, afirma o capitão da Jaguapiru Isael Molares, o “Neco”. Nas áreas indígenas da região sul de Mato Grosso do Sul, o capitão é o administrador das aldeias, uma espécie de prefeito.
Na semana passada, Neco acompanhou a reportagem do Campo Grande News na Aldeia Jaguapiru, para entrevista com moradores, com famílias atingidas pela pandemia e com líderes espirituais.
“O desemprego foi muito grande. A BRF dispensou 100% dos funcionários indígenas, hoje estão voltando aos poucos, mas isso dificultou muito”, afirma o capitão.
Além das indústria de proteína animal, as pequenas empresas também demitiram seus empregados indígenas. Construtores de obras pararam de contratar ajudantes das aldeias e famílias de classe média dos bairros da região norte da cidade dispensaram os serviços de diaristas das mulheres indígenas.
Por precaução para evitar o contágio, ou simplesmente pelo velho preconceito em relação aos povos indígenas (que domina boa parte da sociedade douradense), até mesmo vender milho e mandioca de porta em porta ficou mais difícil.
Desemprego e fome – Rogério Reginaldo, 32, a mulher dele Cristiane, 28, e os três filhos, de 3, 9 e 13 anos são o retrato cruel do estrago deixado pela pandemia da covid-19 nas aldeias de Dourados.
O homem e a mulher não conseguem arrumar emprego e enfrentam dificuldade para conseguir o sustento diário. Cristiane trabalhava como diarista, mas não consegue mais arrumar emprego. Rogério atuava como servente de pedreiro, também dispensado por causa do aumento dos casos de covid-19.
O capitão Isael Morales em frente a uma das casas de reza de Aldeia Jaguapiru (Foto: Helio de Freitas) |
“Eu não sei mais o que fazer para sustentar nossos filhos. Hoje mesmo não temos quase nada para comer. Antes eu conseguia fazer diária e comprava o que precisava, agora nem isso tenho mais”, disse Cristiane.
O casal estava sentado na sombra de uma árvore em frente ao barraco que moram na aldeia Jaguapiru quando conversou com a reportagem. Era 10h. Nenhum deles tem emprego para ganhar o sustento. “O que salvou foi a cesta básica, mas também já está acabando”, disse Rogério.
A família ainda não recebeu o auxílio emergencial do governo federal. Para agravar a situação de desespero, Rogério e Cristiane ficaram três meses sem os documentos pessoais, enganados por uma contratante que prometeu levá-los para trabalhar na colheita de maçã em Santa Catarina.
Todos os anos, muitos índios de Mato Grosso do Sul são contratados para colher maçã na região Sul do País. Com Rogério e Cristiane, no entanto, deu tudo errado. “Ela [a contratante] pegou nossos documentos, mas não deu certo e só agora conseguimos pegar de volta, três meses depois”, conta Cristiane.
“Eu estava fazendo diária em uma casa na cidade, mas a patroa falou que os casos de covid aumentaram muito e que era para eu ficar em casa cuidando dos meus filhos. Mas como vou cuidar deles se não tenho trabalho para comprar comida?”, pergunta Cristiane.
Isael Morales afirma que muitas famílias indígenas não conseguem receber o auxílio emergencial por falta de documentos. As cestas básicas do Governo do Estado também chegam apenas para os moradores considerados mais necessitados. “Pedimos cadastro de mais famílias para receberem os alimentos e parece que seremos atendidos”, disse o capitão.
Fonte: campograndenews.com.br
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